domingo, 6 de junho de 2010

Diários da liberdade: Jéssica e Sabrina Caetano, 11 e 13 anos, moradoras do Morro do Borel


Diários da liberdade: Jéssica e Sabrina Caetano, 11 e 13 anos, moradoras do Morro do Borel

Dia 4 de maio, terça-feira

"O Morro do Borel é muito bom porque tenho muitas amigas. Gosto muito de brincar de bola, boneca, cozinheira, queimado, escolinha, secretária, bolinha de gude, quebra cabeça, amarelinha, banco imobiliário e bingo. Eu gosto também de estudar e vou todos os dias para a escola de manhã.

Dia 5 de maio, quarta-feira

"Quando a UPP e o Bope vieram no morro do Borel, o morro ficou mais legal e calmo. As motos ficaram mais seguras porque só pode subir com capacete e de 10 a 11 anos para cima. Não tem mais os tiros toda noite. Os policiais são muito legais com os moradores do Morro do Borel.
As crianças podem brincar nas ruas com mais segurança, não se vê mais gente armada no morro".

Dia 9 de maio, domingo

"No Morro do Borel está tranquilo agora. Mas antes da UPP entrar no morro não era muito legal, sabe. Os bandidos não respeitavam muito, tinham alguns que até respeitavam. Bandidos que quando as pessoas passam, mexem, dizem "eu vou te pegar (bater)". Bandidos que mexem com as meninas para chamar atenção. Eu nunca gostei de bandido, nunca vou gostar de um. Tem um que saiu da bandidagem há tempos, mas continua mexendo comigo.

Quanto ao Bope, está maneiro. Conversam com as pessoas, quando a gente passa, estão jogando futebol na Chácara do Céu. Estou gostando muito disso!".

Dia 15 de maio, sábado

"Quando tinha bandidos e muito tiroteio, meus pais não deixavam a gente sair de casa... Na escola, as meninas (da Casa Branca)são muito separadas e, às vezes, brigam muito. Implicam muito comigo, mas nemligo. O que entra por um ouvido, sai pelo outro..."

Dia 2 de junho, quarta-feira

"Bom, quando tinha bandidos e muito tiroteio no morro, meus pais não deixavam a gente sair de casa... Na escola, as meninas são muito separadas e às vezes brigam. Inplicam comigo, mas eu nem ligo. Entra por um ouvido e sai pelo outro..."

A paz que veste farda preta

A paz que veste farda preta
Sargento do Bope deixa o Borel com missão cumprida: hoje, amigo de todos, sobe o morro sem ouvir nem um disparo sequer
POR PAULA SARAPU

Rio - Em cada território reconquistado pelo estado, a paz chega primeiro vestindo farda preta. Sargento da tropa de elite e personagem de todos os processos de ocupação, Max Coelho, 40 anos, tinha uma preocupação especial com o Morro do Borel, na Tijuca. Foi na comunidade que, em 1997, trocou tiros com bandidos por quatro horas até conseguir chegar à Laje da Kombi, onde hoje está hasteada a Bandeira do Brasil. À época, o policial era lotado no 6º BPM (Tijuca) e enfrentou uma resistência enorme para subir a primeira ladeira da favela até o ponto de ‘contenção’ do tráfico, a menos de 30 metros da Rua São Miguel.


Sargento Max destaca a amizade construída com todos os moradores das áreas pacificadas pelo Bope: chamado pelo nome | Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia
Max também sabia que os tijucanos e comerciantes do bairro acompanhavam a ocupação com a expectativa de que a paz no morro refl etisse no asfalto, com a redução da criminalidade. Até a manhã do dia 28 de abril, o sargento nunca tinha subido aquelas favelas sem efetuar nenhum disparo. Treinados para o duro combate e situações de extrema violência, os policiais do Bope agora estão mais descontraídos: receberam cartinhas de ‘boas vindas’ de alunos de escolas próximas, ajudaram na organização de eventos da comunidade, deram autógrafos a moradores e até puderam brincar com a criançada. E todas essas impressões foram registradas por Max em seu caderno, durante os dias de serviço.

>> LEIA MAIS: Diários da liberdade: Sargento Max Coelho, 40 anos, policial do Bope

“Eu sempre penso em como a comunidade vai nos receber e tenho muito cuidado na forma de tratar os moradores porque eles agora olham para a gente com esperança. Estou na PM há 21 anos e nunca imaginei um dia andar com tranquilidade numa favela, ser chamado por um morador pelo meu nome. Estamos levando dignidade às comunidades e as crianças agora têm outro exemplo”, disse ele.

>> FOTOGALERIA: Crianças desenham para saudar a chegada da UPP

Com dever cumprido, Max e seus companheiros do Bope deixam a Tijuca amanhã, depois de estreitar os laços entre a polícia e os moradores dessas sete comunidades. O campo já não está mais minado e a equipe da UPP, comandada pelo capitão Bruno Amaral — tijucano de nascimento — continuará a tocar a nova política de segurança.

>> FOTOGALERIA: Ocupação do Bope em favelas da Tijuca

Em poucos dias, a Zona Norte festejará o retorno dos homens de preto para a pacificação de outra comunidade: o Morro do Andaraí. A ideia é evitar o ataque de bandidos e dar mais segurança à unidade que funcionará próximo ao campinho da Chácara do Céu.

Diários da liberdade


Diários da liberdade: Sargento Max Coelho, 40 anos, policial do Bope

Dia 28 de abril, quarta-feira

"A cada dia que passa sinto mais orgulho de fazer parte do Bope, tamanho o profissionalismo da equipe. Antes da nossa saída, recebemos briefing do oficial de operações, orientando quanto à cautela na incursão e em termos maior cuidado, pois sabemos que os traficantes atiram a esmo e muitas vezes causam efeitos colaterais. Dentre as comunidades pacificadas, acho que essa será a de maior desafio, afinal tenho escutado e lido que a população tijucana quer a polícia ocupando as comunidades.

Enfim, partimos para o Borel. A cada operação, um novo sentimento, uma dúvida: como vamos ser recebidos pela população local?

Estou pasmo, afinal trabalhei dois anos, de 97 e 98, no batalhão que cobre a área do Borel e toda vez que entrava na Rua São Miguel de viatura escutava fogos e tiros. E, para conseguir chegar na Laje da Kombi, precisava de muito tempo de operação. Mas o que mais impressiona é que nessa operação não precisamos efetuar nenhum disparo. E mais: poder ver nos rostos das pessoas o ar de felicidade com a nossa chegada. Alguns só balançavam a cabeça, outros sorriam com um simples positivo. Indaguei um comerciante e ele disse " a partir de hoje estamos livres do tráfico, livres do mal. Como policial, parece que estou em outro estado. Tempo de paz!".

Dia 30 de abril, sexta-feira

"Fizemos contato com a associação de moradores, lideranças religiosas (padres e pastores), ONG's, representante de mototáxis, Kombis e colégios. Acabei esquecendo! Ao entrar no Ciep, fomos ovacionados por pelo menos 500 crianças que nos abraçavam, queriam tirar fotos. Indescritível, prefiro parar por aqui (Risos!)".

Dia 1º de maio, sábado

"A tranquilidade é visível em cada olhar. Meus companheiros do Bope estão recebendo cartinhas das crianças com dizeres de boas vindas, queremos paz, "por causa de vocês estarem aqui, minha mãe está deixando eu brincar na rua". Nunca imaginei que fosse passar por isso. Somos aceitos, admirados. Muito bom! Muito bom mesmo!".

Dia 3 de maio, segunda-feira

"Marcada para onze horas a reunião do comandante Paulo Henrique. Novamente percebi que a comunidade do Borel é mesmo diferente. Compareceram cerca de 400 pessoas para ouvir o comandante do Bope e para o comandante ouvi-los. O que mais surpreendeu foi que não houve tantas reclamações, mas questionamentos do tipo "o Bope vai ficar direto aqui?", "Queremos o Bope, queremos a UPP"... Impressionante!
Neste mesmo dia teve um relato de um rapaz de 25 anos que veio num comboio de motos para a reunião, usando o caminho (rua) do Borel, e disse que isso não acontecia há 20 anos. Isso é paz! Somos uma tropa de intervenção, mas também de pacificação".

Dia 15 de maio, sábado

"Culto organizado por nós para agradecer a paz naquele local. Estiveram presentes padres, pastores, associações, ONG's, quando oramos a Deus em agradecimento. A melhor parte do evento foi quando a Tropa de Louvor se apresentou. O comentário foi geral. "Eles podem pregar a palavra de Deus fardados de caveira?", perguntou uma senhora da Assembléia de Deus. Fiquei muito feliz pois a comunidade compareceu e foi um sucesso!".

Dia 19 de maio, quarta-feira

"Mais um serviço e hoje a missão não posso deixar de registrar. Nós, policiais do Bope, distribuímos cestas básicas e roupas para os desalojados da comunidade. E fizemos com estilo! Conseguimos o espaço na quadra da Unidos da Tijuca, levamos as senhoras da Tavares Bastos para nos ajudar e colocar as roupas como se fosse um grande bazar. Enfim, nós, policiais, trazendo dignidade a uma população tão sofrida".

Dia 29 de maio, sábado

"Palestra com os mototáxis. Ao andar na comunidade, a sensação é de dever cumprido. Paz, tranquilidade e organização. Falta muita coisa, mas o que é mais gratificante nisso tudo é poder ser chamado pelo nome pelos moradores, que reconhecem em nós uma esperança de dias melhores".

Dia 30 de maio, domingo

"Organizamos um torneio de futebol entre as comunidades do Borel, Chácara do Céu, Morro do Cruz, Casa Branca e não podia deixar de citar o Andaraí, que, apesar de não estar pacificado, matriculou seu time. É, realmente somos o país do futebol... Compareceram mil pessoas e até autoridades.
Agora, chocantes são os relatos dos moradores que não passavam por ali há 20 anos. É de impressionar qualquer um. Parabéns para todos os times e principalmente para os vencedores. Vencedores! Todos somos vencedores!".

Dia 1º de junho, terça-feira

"Fiquei sabendo pelo nosso superior que nossa missão no Borel está terminando. Agora entram os policiais da UPP. Qual será nossa próxima comunidade? Não importa. O que importa é saber que estamos livrando as pessoas do tráfico de drogas, trazendo dignidade e esperança.

Depois de 21 anos na PM, agradeço a Deus por estar participando desse momento da Segurança Pública no Rio de Janeiro. Tempos de paz!"

Vizinhança livre do medo


A varanda foi o ‘território’ retomado pela família da Tijuca. Antes da ocupação policial, local era área de risco
POR PAULA SARAPU

Rio - Os tiros no morro sempre ecoaram no asfalto, espalhando medo e degradação pela Tijuca. A violência fez a varanda de casa ser abandonada há tempos por Dona Irene Teotônio, 63 anos. Hoje, o espaço ganhou um ‘sino do vento’ em forma de borboleta. Símbolo de transformação e renascimento, o enfeite derruba a trincheira imaginária criada pela moradora de um condomínio de classe média na Rua São Miguel, desde que trocou a pacata Região Serrana pela Tijuca, na época em que os filhos vieram cursar a faculdade, há 13 anos.


Dona Irene enfeitou sua varanda com um sino de vento, símbolo da paz recente | Foto: Felipe O' Neill / Agência O Dia
Com medo das balas traçantes disparadas por traficantes da vizinha Casa Branca, Dona Irene se viu obrigada a abrir mão de sua pequena área de lazer. Da janela com grades, cansou de ver assaltos, bandidos circulando armados de moto e até desova de corpos, como num filme de terror. Ligava para a polícia, masa sensação era de que eles também tinham abandonado aquela rua.

>> LEIA MAIS: Diários da liberdade: Irene Teotônio, 63 anos, dona de casa, morada da Rua São Miguel

“Eu acordei muitas madrugadas ouvindo ‘sai, sai!’ e cheguei a perder as esperanças. Com a UPP, até um churrasco na varanda fizemos no Dia das Mães!”, comemorou ela, que teve um mês para registrar em seu caderno todas as mudanças que acompanhava pela janela de seu apartamento. Dona Irene ouviu comentários sobre a UPP no supermercado, no banco, em todo o bairro. Em seu condomínio, por exemplo, ela soube que existe até lista de espera para comprar apartamento. Segundo previsão do mercado imobiliário, estima-se valorização em até 40%. Vice-presidente da Associação Comercial da Tijuca, Jaime Miranda conta que o valor dos imóveis comerciais também já dobrou. “A Praça Saens Peña está saturada. O trecho de subida (da Conde de Bonfim, em direção ao Alto da Boa Vista) ainda está carente de serviços. O bairro está em ebulição e torcemos pela revitalização”, atesta.

>> FOTOGALERIA: Ocupação do Bope em favelas da Tijuca

A Inspetoria Regional de Licenciamento e Fiscalização da Tijuca registrou aumento nos pedidos de alvará. Não é possível afirmar se os dados já são refl exo da UPP. Mas uma situação, porém, é especial. Esta semana, morador do Morro do Cruz procurou a inspetoria para legalizar sua ofi cina mecânica: “Vim por causa da UPP”.